segunda-feira, 4 de abril de 2011

Água

Livros meus aparecem úmidos. Minha mesa, meu travesseiro, minha roupa.
Encontro gotas transparentes em toda a parte. No chão do corredor, da cozinha, no pano de prato.
Se estou no meio de uma conversa qualquer, desvio a atenção por um segundo e ... mais gotas.
Olho pra partitura e ela está embaçada: é o véu molhado que me venda.
E eu espalho todo esse rio de lágrimas pela cidade. Nas praças, na padaria, na biblioteca. Lá estão elas comigo. E o pior é que me pegam de surpresa; posso estar sorrindo e distraída, estarão lá a qualquer momento.


É assim desde que foi embora sem avisar quem me ensinou a ser firme e mandar nas minhas nascentes. Ser dona delas e não um meio de desaguá-las.
Nem me incomoda tanto assim a falta de aviso mas sim a falta de laço. Um fiozinho de seda que não machucava, eu queria no meu braço e no seu. Mas tinha que ser o mesmo fio. Aceitaria que fosse longo. Tão longo que fosse da minha casa à sua sem quebrar. Da minha casa à cachoeira sem quebrar. E só. Se fosse pro mar, aí... teria que me levar junto. Mas só por capricho meu. Se quisesse, eu ajeitava a linha, esticava, esticava até sangrar meu dedo. Sangrasse o meu, o seu não. Só pra você ir lá e ver o mar, e sentir a brisa salgada, e correr na areia.
Se ainda lembrasse de mim aqui do outro lado, voltava. Se não, cortava com corais enquanto estivesse mergulhando fundo. Eu não ia ficar triste. Eu esperava até ter sua mão perto de novo pra perguntar se você aceita. Se aceita eu colocar seu coração pra descansar no meu lençol.


Mas não tem linha nenhuma. Nem volta.
Por isso minhas coisas vão continuar úmidas e eu, secando por dentro.

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