quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Em que posso ajudar?

_Uma alma simples e uma água sem gás, por favor.
_Como assim de que tipo?Do tipo incolor, inodora, insípida, etc, etc. 
_Ah, a alma?
_Do tipo incolor, inodora, insípida, etc, etc. Sem sal, sem açúcar, sem gordura, sem carboidrato, sem vitamina nem nenhum desses elementos nutritivos. Tô precisando emagrecer.
_É assim: Tirar o peso da existência, da vida, do mundo, dos outros, entende? Parar com isso de tridimensões, pés distantes do chão, descompasso, essas coisas.
_Porque esse é o meu plano B, ora. É o plano de fuga.
_Se preocupa não. Existem coisas bonitas por aqui também. Eu vou aprender a nadar no raso, pensar menos. Isso de poesias/rimas/canções não levaram ninguém a nenhum lugar.
_Eu tenho certeza. Se eu estiver errada, me explica porque o coração não fica em cima, no lugar do cérebro? Então, vou seguir quem estiver por cima da situação. Só crer no que ver, talvez no que tocar. Mas quem manda mesmo é esse emaranhado de miolos e nervos aqui. É nisso que confio.
_Ei, anda logo com meu pedido. Tô com sede.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Uma outra história.

Que bom seria se eu tivesse vários corpos à disposição para poder zanzar por aí cada dia por um canto diferente. Como se eles fossem fantasias enfeitiçadas.
Cada corpo teria amigos distintos, personalidade definida e atrativa, um grande sonho e uma maneira peculiar de  confessar os sentimentos.
Pra cada coração, vários amores de todas as espécies. 
Apesar de compartilharem da mesma mãe, esses meus corpos não seriam irmãos. Estariam sob o domínio da minha mente e, todas as noites, sonhariam os mesmos sonhos, porém, os sonhos serão extensos pra caber as imagens dos desejos de cada um. Pois seria nos sonhos que eu, a mente controladora, me sentiria completa. Daí minha ambição estaria satisfeita: não falta ser ninguém.
Poder ser todos. Poder ser! Em um corpo um vagabundo, no outro uma amante exímia conhecedora dos jogos do amor, o outro é um intelectual sem partido que contribui para a democracia, o outro é viajante, e tem também o velho que nunca morre. Esses são só exemplares da vasta coleção de pessoas que eu seria. Tudo pra não ser eu.
Pra não me sentir tão boba por não conseguir "ir à igreja e ao carnaval com a mesma devoção". Pra não estar sentindo tão decepcionada comigo mesma. Pra não sentir o fracasso de não ser sempre radiante, sempre bela e leve.
E, depois de experimentar as várias vidas que teria, talvez eu quisesse guardá-las todas em um baú ou em um sarcófago, pra mostrar respeito. É claro que não os enterraria... por desconhecer minhas futuras manias e planos de fuga (apenas por isso). 
Então quem sabe eu viria com alguma resposta. Uma bússola seria o ideal. Ou um cristal-guia embutido no peito. É que eu necessito descobrir como é que a gente faz pra ser querido, amado, indispensável até. Como cativar corações impossíveis, como ajudar um triste a ser feliz. Por esse último segredo eu cumpriria uma promessa, ou duas. Ficaria a critério do guardião dos segredos da existência humana.
Agora eu me sinto sem pernas nem dentes nem unhas. Imóvel e impossibilitada. Um parasita, sim. Dos corpos que eu escolho, na vida real, pra sugar um pouco de força, de piedade.
Por enquanto eu só quero deixar o nó na garganta ficar bem apertado. Perder a consciência. Desligar por um tempo. É. Eu quero desligar.



sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Motim

Aviso: Trata-se de uma tentativa frustrada e  mal-acabada de traduzir o que balbucia um coração. Tenha sempre em mente que é impossível fugir do indizível.


Ainda não tinha experimentado. Por mais absurdo que pareça, o céu foi convertido em outro quando você me apontou as constelações. 
É absurdo como, mais uma vez, você sái e minhas pernas imploram por teu rastro. Querem que eu as leve pra perto das suas... perto o suficiente para um movimento de luta na qual não importa quem imobiliza o adversário mas, sim, o que vem depois.
Só agora percebo que ecoam gemidos de sob os cabelos reclamando hálito quente, mãos firmes, um afago doce até. Os olhos resolveram ter idéia fixa e em cada canto imprimem um vulto seu.
Da pele emergem placas de ardor por todos os lados reivindicando um só remédio.
Desaprendi as táticas de repressão e auto controle ao constatar meu corpo assim rebelde e cheio de exigências. Ou, por pura displicência, deixei as armas que tinha se desvencilharem dos meu dedos.
Os golpes que são desferidos dentro me machucam. Quão paradoxal isso consegue ser?
Parte de mim é cúmplice do alvoroço. Financia-o e põe fogo. Se assim não o fosse, teria usado do poder descrito pelas ciências da mente humana concentrando-me em calar esses rumores e ameaças.
E você alheio ao rebuliço.
Não sabe o poder que tem.
Carrega consigo a essência que embebeda.
Leva na garganta a voz que seduz e no peito, uma granada.
Sem cuidado, se espalha por aí.
Meu Deus! Daí, então, o que me restará? Se é impossível aprisionar algo seu pra por debaixo de meu travesseiro, diga, o que resta?
Antes possua e deixe que suspire. 
Não, um suspiro seu eu não posso aguentar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Todo mundo merece um dia perfeito.

Talvez esse texto seja melhor compreendido se a leitura for acompanhada dessa música (é só por causa da melodia mesmo, não precisa saber inglês):

Coldplay - Strawberry Swing .mp3
Found at bee mp3 search engine


[...]essa vontade de beber todo o ar do mundo pra manter o mundo vivo e nadando em meus líquidos, voando em meus pulmões.
Quero as flores.
Quero os esquilos, os lagos e as águas-vivas.
Quero os coloridos, os venenosos.
Quero ser a mãe de todos eles: dos índios, dos hindus, dos esquimós.
Quero suportar a todos com meus ossos e alimentá-los com meu sangue.
Eu os quero protegidos, aconchegados, saciados.
Então todos usufruiriam das belezas que reuní; eu mesma as escolhi.
Um pequeno Éden para abrigar as almas aflitas, famintas, desesperadas.
Todas as vítimas de guerra. As vítimas da fúria da natureza, da fúria dos vizinhos e colegas, da ruindade e indiferença da humanidade. Todos que se sentirem esquecidos e abandonados. Os invisíveis, venham!
Eu tenho abrigo para todos. Onde o sol não queima e o vento não congela esses corpos já sofridos.
E eu tenho música. Para embalar o sono dos pequeninos mutilados, explorados, chorosos. Para acompanhar os jovens em suas trilhas pelo novo lar. Para curar o silêncio de morte que consome os velhos.
São livres para movimentarem seus músculos no ritmo da música. Escorregarem as mãos umas sobre as outras até sentir um aperto firme. Uma imensa roda se formará. Um círculo humano, colorido, risonho. Farão suas preces, entoarão seus cânticos, pronunciarão seus mantras até o cansaço pra depois se atirarem à grama verde e bem regada.
Podem dormir e descansar, meus filhos! Não se esqueçam que a verdade mora aqui. Do outro lado, onde há tristeza e injustiça, é só um sonho ruim. Voltem quando preciso. Eu os receberei com um abraço e um refúgio.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Um filme pelos meus olhos.

PS: Sobre "Blindness" (ou "Ensaio sobre a cegueira"), filme de Fernando Meirelles (2008), adaptado do livro de mesmo nome escrito pelo Nobel José Saramago, em 1995:


Mais que a valentia da mulher do médico, a tirania reproduzida entre as paredes do "depósito humano" pelo rei da Ala 3 e sustentada pelo cego de nascença, a covardia de um grupo de homens ao propor que o sexo fosse moeda de troca por comida, e tantas outras cenas que monopolizam a atenção de grande parte dos expectadores, a leitura do velho negro em relação a tudo que se passava à sua volta foi o que mais me emocionou. Primeiro que a experiência e segurança das pessoas que vivem neste mundo há mais de meio século, me toca tremendamente. Quem pode ousar contestá-los quando em um debate sobre os fenômenos de ação e reação dos quais nem um ser vivo pode escapar?
(Segundo em diante seguem sem marcação).
Pois bem, esse velho havia feito do banheiro a sua moradia, mas ele tinha um rádio. Depois que deram-lhe um lugar no já lotado "dormitório", sempre sorridente, ele transmitiu as informações dos noticiários que ouviu e, quando terminou, percebeu que um silêncio de morte pairava ali. Todos haviam se aglomerado e pareciam esperar. Esperavam, talvez, que seus corpos mergulhassem no "mar de brancura": a única imagem que podiam contemplar através dos olhos súbita e inexplicavelmente cegos. Esperavam as mudanças seguintes à perca de um dos sentidos. Mudanças que exigiam dor e auto negação.
O velho, porém, parecia deliciar-se naquela atmosfera densa e selvagem que induzia todos a se prostrarem diante das próprias fragilidades e instintos. Sem noção do tempo, sentia-se infinito. Uma eternidade caminhando sobre o "mar de leite".
E, quando se caminha sobre o mar, a jornada é igualmente infinita.
Ele sabia que agora que não havia espaço para divisões segundo a classe social, a etnia, o credo ou a beleza. A igualdade de condições tão duras impostas indistintamente os nivelava e os resumia a animais lutando pela sobrevivência. Se não por esperança de um futuro melhor, lutavam simplesmente porque é isso que sempre fizeram os animais em toda a história de sua existência, logo, atendiam a um chamado visceral e primitivo.
Ele decidiu que fazia-se necessário gastar a pouca bateria do seu radinho de mão para embalar aqueles seres tão assustados. A música vira a protagonista do momento, o único remédio que o acaso lhes cedeu. A ala toda era música, os pés registravam o ritmo e, durante aqueles minutos, pareceu ser bom ter apenas as lembranças e fantasias como referência da realidade.
Alguns não se importavam em cobrir suas "vergonhas". Usar roupas seria mesmo a última tentativa de se convencerem civilizados quando não há comida, água potável nem sabonete suficientes.
Quanto ao velho, ele escolheu despir o coração. Seu olhar gentil conquistado pela idade agora traduzia-se na fala mansa à beira de uma fogueira declarando seus desejos à moça. Era o que desejava sua alma.
Até que um deles voltou a enxergar. O fim de um flagelo. Enfim, as poucos a vida de antes seria reconquistada e retornariam à normalidade morna e farta. O trabalho, o contato com os familiares e amigos, a retomada da perseguição aos sonhos... seria o paraíso. Donos de uma gratidão inimitável à liberdade, se destacariam em qualquer grupo com qual escolhessem conviver: são imunes às pequenas agruras do cotidiano e desequilíbrios emocionais que afetam os relacionamentos da nossa era. Superaram desafios infinitamente maiores, sentiram a humilhação no seu sentido mais cru.
Talvez usem dessa nova compreensão para tomar as dores dos tantos oprimidos (semelhante ao que eles foram) espalhados pelos continentes afora. Ou talvez não queiram mais reviver as angústias e a impotência diante de forças implacáveis genericamente nomeadas como 'Corporações financeiras', 'Estado Capitalista', 'Burguesia', 'Globalização', etc.
De qualquer maneira, a história continuará se repetindo em algum lugar do globo. Essa era a condição. E nós aceitamos.

Para os ex-cegos, cada estilhaço voltaria ao seu lugar para recompor o grande quebra-cabeça da "ordem" universal.
Não para o velho negro que voltou a ser refém de seu corpo antigo e perecível.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Que alguém cuide de você.

Atira o corpo dormente na cama. Faz o que gosta: Lava o rosto e umedece os lábios com as gotas transparentes e salgadas, presente dos olhos para acalentar o coração. Sem histeria ou desespero... já disse: é um presente mas também lembrança.
Lembra que não é preciso acertar sempre nem se desvendar por completo. Sempre haverá algo a ser resolvido mais a frente; por isso, caminha!
Quase pede perdão (a rádio lhe despertou a sensibilidade).
Espera. Não quer mais isso de precipitações. Mas, e se hoje for o dia ideal para algo deliciosamente inesperado (vamos lá, você poderia ter criado sua oportunidade)... E se atrás do bosque houver um coração simétrico (mesmo que invertido), e se isso no céu foi provocado por algum sinalizador vindo de trás do bosque? E se ele também quisesse e você simplesmente se nega?
Espera mais um pouco. Vê que não é bem assim, que tem o direito de deixar se dominar por si mesma. Não mata o animal que nela habita e em alguns momentos ele (o dono) agradece por não tê-lo feito... as feras sabem como enlouquecer.
Foi só instinto, nada demais. Nada que possa ser justificado verbalmente. Saiba que qualquer tentativa será uma mentira.
Mas, e quanto ao corpo dormente? Duvido que tenha coragem de negar que (também por instinto) quis ser beijada por todo o comprimento e largura das suas costas. Quis lábios por toda sua extensão. Quis ser qualquer coisa que o enchesse os olhos. Quis ser o bastante... a peça perdida ou o acorde, o arranjo, a frase.
Sem dificuldade, então, seria brinquedo que se perde no ar: uma bolha, talvez? um balão?
Vê no filme a cena de um abraço e chora. Mais outro, chora.
O que isso significa?

domingo, 3 de janeiro de 2010

Tarde como outra.

Vontade de cantarolar uma música no pé do teu ouvido.
Pensando bem, se você estivesse tão perto a ponto de ouvir um cochicho musical, eu não precisaria proferir essa canção que me torra a paciência agora.
"Me telefona. Chama, me chama, me chama, me chama-a-a-a-a-a-a".
Okay. Isso pareceu infantil e imaturo depois de escrito mas, a realidade deve ser encarada de frente. E é só o que eu tenho diante de mim nesse instante: uma tela de computador com umas letrinhas que se movimentam à medida em que pressiono as teclas do teclado. Elas avançam e recuam e avançam até que a mentora do texto se deixa vencer e publica qualquer coisa com a desculpa da espontaneidade.
Já que é pra ser transparente e franca (mesmo que eu corra o risco de parecer boba), vou logo me adiantando e contando o que tem passado pela minha cabeça nos últimos dias.
Por acaso estou de férias e é início de ano.
Fico preocupada ao perceber que todos tem razão: é um período importante. Logo, o Reveillon era pra ter sido importante, ou seja, começo o ano me arrependendo de não ter dado a devida importância à mística transição de um ano para outro. Talvez isso explique em partes, o porquê da onda de mal estar e ressurreição de questões mal resolvidas do ano findo.
As noites foram estonteantemente lindas graças à genialidade do Supremo Criador. Ontem, por exemplo, a lua estava imensa e pendia para a direita do ponto em que eu fixei as vistas. Tão brilhante e mentirosa... Porque ela não brilha coisíssima nenhuma. Se não fosse o sol (que ninguém elogia ao meio dia), não teríamos mais o motivo principal da babação noturna. Quanto à lua, sempre lembram de exaltá-la, não importa a hora. Pronto, agora estou com raiva da lua.
Sou encantada mesmo é pelas nuvens. Elas sim me deixam boquiaberta. Minha paisagem preferida é um céu coberto de nuvens com seus formatos tão diversos que parecem ter sido esculpidos pelas mãos do próprio Todo Poderoso. São esculturas que transmitem emoções e despertam sentimentos e reflexão. Como conseguir tudo isso apenas observando as nuvens? Tente ser só mais um pouquinho alienado. Porém, tão logo lembre, volte ao seu estado natural por mais frio e pessimista que seja. É mais seguro.
Nunca fiquei tão feliz em escrever um texto tão desconexo! Isso significa que eu fugi totalmente do assunto inicial e isso é bom de verdade.
Imagine só, eu aqui pensando em canções que clamam pela presença do objeto desejado e este mesmo objeto em algum outro lugar pensando qualquer coisa que nada tenha a ver com minha humilde existência! Então eu me tornaria mais humilde ainda.
Voltar aos meus afazeres agora.