Mostrando postagens com marcador sobre o mundo e as pessoas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador sobre o mundo e as pessoas. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Preciso mudar. Ainda não sou eu.

Viver sob as rédeas de alguma religião bibliocêntrica, e depois de um tempo (longo, doloroso e em andamento), me libertar, me trouxe certa lucidez para entender o que há de importante na vida.
Numa dessas descobri que não quero ser criacionista, animista, gnóstica, agnóstica ou atéia; nem racionalista, humanista. Que posso até topar inventar um deus só pra mim; posso olhar pro céu e chamá-lo de deus... e dar-me por satisfeita porque isso não é afronta para ninguém, muito menos para o tal deus único e verdadeiro.
Enfim, o que eu vim registrar é: há pouco mais de um ano, eu vivia em função do deus bíblico (é, aquele mesmo que é misógino,  assassino, machista, ciumento, maníaco por controle, vingativo, eugenista, homofóbico, infanticida, genocida, filicida, pestilento, megalomaníaco, e malévolo _ fonte: bíblia). Assim, tudo o que tivesse a ver com a minha felicidade, eu obrigatoriamente atribuía à Deus, um favor seu para uma pecadora tão miserável. Mesmo assim, não cansava de me inferiorizar e de sentir não merecedora da vida que tinha. [Entendam, eu ouço esse discurso desde que tinha um mês de vida, quando fui "apresentada à deus" na frente de uma igreja pelo pastor e meus pais.]
E hoje, enquanto lia um texto de Alice Walker contando sobre seu crescimento espiritual, identificação com o infinito e progresso no mundo, hoje eu me peguei pensando que eu havia perdido a percepção de meu próprio ser. Ser: esta junção de carne e imaterialidades que dá a cada um o potencial de ser um micro-universo único e fantástico. Eu estava tentando ser o que a bíblia diz que eu deveria; como se ela guardasse a receita universal para a felicidade e sucesso, com um paraíso para os fortes no final - aqueles cuja força está em deus.
E agora eu me pergunto: é sério que não há nada de bom em nenhum de nós? Que tudo de bom vem de deus, criador dos céus e da terra?
Eu não consigo mais acreditar nisso. Sofro de uma incapacidade para continuar acreditando e defendendo. Depois de conhecer tantas pessoas lindas na sua impureza e imperfeição, seria tolo me forçar de volta para dentro daquilo que me garantia o conforto de uma família espiritual, contanto que eu compartilhasse das mesmas aspirações e princípios.
E não quero mais isso pra mim. Quero descobrir por mim mesma. Sentir por mim mesma e não a partir das histórias distorcidas que me deixavam ouvir. Não me interessa se é uma ou várias vidas, ou se  vida é algo maior do que o espaço entre o parto e o caixão. O fato é que, eu respiro e estou consciente. Penso, produzo, ouço - filtro - repasso, volto atrás e desminto pra começar tudo de novo.
Eu sou o eterno recomeçar. Reconstruir. Resistir.
Resiliente, embora já tenha desejado a minha própria extinção.
Eu quero correr por essa floresta misteriosa e cheia de armadilhas que é o mundo; mas que guarda paisagens encantadoras e uma tranquilidade suprema. Sem medo de me ferir. Peito aberto para o que vier. Coragem animalesca; prudência mesclada com a sede de novas experiências e lições.
Atribuir meus próprios significados ao céu nublado, pesadelos, trivialidades. Não como forma de me consolar, mas sim para me sentir no controle e capaz de mudar o rumo quando bem entender.
Não existe situação sem escapatória.
Sou jovem, eu sei. É a fase de "achar que nada de mal lhe acontece - é dono do mundo". Eu posso escolher não fugir à regra, ou criar uma nova. E se eu, no meio dos meus choros e desesperanças já vivi a minha fase de velhice e agora, a juventude chegou pra mim? Eu posso inverter e depois querer viver tudo de novo.
Não quero o peso de ter que viver como se o destino da minha alma dependesse das frase "jesus é meu salvador e senhor" - céu ou inferno; fogo ou rios de águas vivas (ai!).
Quero olhar para Jesus e admirá-lo, e só. Quem sabe, seguir um conselho ou outro, ler algum sermão inspirador. E proceder da mesma forma com Osho, Buda, Luther King, Saramago, Gandhi, e por que não, Alice Walker, que me fez chegar às conclusões do dia de hoje.
Minha fé, se é que algum dia eu tive alguma, se foi. Ainda bem. Porque eu não quero ter confiança absoluta em nada nem nenhuma opinião firme de que algo é verdade. Meu texto inteiro pode ser uma ilusão que só serve pra mim; um completo engodo. Mas ME serve. E eu aceito essa única justificativa porque EU sou importante e não há pecado nenhum em pensar assim. Pecado não existe pelo simples fato de que não existem leis divinas para serem quebradas nem uma divindade para aborrecer e provocar a ira.
Pessoas são importantes e de valor inestimável e inerente. É só disso que precisamos saber.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um lugar chamado tempo

Não estou convencida de que quem cura tudo é o tempo e que isso é um fato. Não é justo atribuir a esse senhor de barbas brancas e compridas a vitória sobre uma dor, uma angústia etc. Há os esforços pessoais sim! O tempo nada mais é que um espaço (ãhn?) onde (e não quando) é possível afastar-se do agente causador do sofrimento mesmo que o método usado seja distrair-se deste, pensar menos... mas, se pensa. Uma sucessão de pequenas feridas quando, por um acaso, o vento traz para aquele lugar em que se buscou refúgio um pedaço da dor: um fio de cabelo da pessoa amada que se foi, o eco de uma palavra dura, o aroma de um quarto. E é com essas pequenas 'pontadas' que vamos nos acostumando e aceitando como parte natural de nossa existência; até um momento que não incomoda mais. Seja porque não se dê mais tanta importância a essas dorzinhas, seja porque elas provocaram o crescimento de uma couraça um pouco mais resistente ao redor de seus alvos; que será cada vez mais grossa a medida que aparecerem novas dores, novas fugas para um lugar chamado tempo, novos pedaços da dor...
Passamos a ser mais confiantes até. Nesse sentido, o tempo é pai porque põe a mão no nosso ombro quando a gente vai contar o que passou durante o tempo; um agasalho aconchegante essa mão; uma roupa nova indicando a ascensão a partir de um ritual sofrido. Parece que o tempo nos dá segurança para deixar escapar um 'já passou, está tudo bem agora' ou um 'já virei essa página'. E quem não ficou lá tempo suficiente, não pode dizer nada disso. Quer dizer, até pode, mas correrá o risco de ver sua dor diminuída aos olhos dos outros que usarão desse argumento cruel para justificar o rápido retorno à normalidade. Ninguém gosta de ver sua dor diminuída, muito menos comparada. Esse medo pode até mesmo levar a uma extensão da dor, além do necessário; atrasos inconscientes.
Seja como for, a terra do tempo pelo menos tem chão. Você pode se sentir perdido no meio de tanto nada e tanto tudo que passa por ali. Mas quando quiser sentir o chão, vai poder pisar. E se sua dor for tão profunda que te induza a um estado quase que inconsciente, se prepare: Os fogos de artifício que marcam o recomeço da contagem do tempo vão te acordar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Oráculo

Querendo ver-me logo livre desses ares adolescentes. Quero o impulso que me lance para fóra daqui: deste mesmo lugar, do mesmo.
Despir-me de todas as paixões que tive até agora. Acordar limpa, virgem, ingênua, inabitada.
Ser meio fria, meio sem emoção, meio sem gosto.
Procurando decisões sérias a tomar. Um cara mais velho, um encantamento verdadeiro e duradouro:
O amor dos velhos.
Trocar suor por dinheiro; tempo por dinheiro; liberdade por dinheiro; pra comprar a 'nossa' casa e deixar algum patrimônio pros filhos.
Coisas sérias, entende?
Nada mais dessas bobagens de provas, de brigas de irmãs, de bolo de aniversário, sorvete...
Cores neutras e um corte discreto, sem ousar pra não errar.
Palavras firmes, posicionamento político bem definido, defensora de uma linha ideológica realista que admite não haver paz nem felicidade para todos, salto alto grosso e pernas feitas.
Parece mais um filme do que minha projeção de futuro.
Continuo, quem sabe?

quarta-feira, 23 de junho de 2010

É certo:

É preciso pontuar o amor que se pretende perfeito: o nosso primeiro amor, imperfeito em suas medidas. É preciso que nele falte algo.
“onde há falta, há desejo.”
O sujeito desejante e bem instruído na frustração, liberdade e responsabilidade pode se tornar um indivíduo que respeita o outro, as convenções, os contratos, os costumes, a lei...

Fonte: Papo de advogada.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Desencaixotando.

Um post que  nunca publiquei, até agora:

____________________________________________________________________


Você parece buscar a perfeição. Algo de divino... maravilhas da criação.

Eu procuro a cicatriz, a falta de simetria, os relevos da pele, as marcas das paixões, das rivalidades, do tempo.

As falhas, as gafes,

Ser humano me comove porque isso implica assumir a herança de genes imperfeitos, é se assumir resultado de uma combinação improvável ou até estranha. Ser brasileiro, então, é mais encantador ainda!

É ter olhos de negra, boca de índia, quadris de européia, nariz dos outros três juntos.

A pele macia, os cabelos escuros e sadios, os músculos firmes e bem nutridos, os traços harmoniosos são artigos de luxo importado que um punhado de moças possui. E, ao apreciar toda essa conspiração da natureza em favor de poucas (e dos nossos olhos), eu vejo um molde, melhor, matéria-prima: uma boa peça de peruca, boas medidas para a máscara e a fantasia, uma boa textura de pele para ser imitada pelos cosméticos, e é isso.

Curto o cheiro de suor, o cheiro dos lubrificantes naturais, do hálito depois de comer a fruta.

Sentir-me gente, que faz sujeira, que depende de água, que toma banho de lama, que precisa de sexo, que gosta de açúcar.

Desse jeito não dói nem destrói ninguém porque desse jeito é que é natural.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Em que posso ajudar?

_Uma alma simples e uma água sem gás, por favor.
_Como assim de que tipo?Do tipo incolor, inodora, insípida, etc, etc. 
_Ah, a alma?
_Do tipo incolor, inodora, insípida, etc, etc. Sem sal, sem açúcar, sem gordura, sem carboidrato, sem vitamina nem nenhum desses elementos nutritivos. Tô precisando emagrecer.
_É assim: Tirar o peso da existência, da vida, do mundo, dos outros, entende? Parar com isso de tridimensões, pés distantes do chão, descompasso, essas coisas.
_Porque esse é o meu plano B, ora. É o plano de fuga.
_Se preocupa não. Existem coisas bonitas por aqui também. Eu vou aprender a nadar no raso, pensar menos. Isso de poesias/rimas/canções não levaram ninguém a nenhum lugar.
_Eu tenho certeza. Se eu estiver errada, me explica porque o coração não fica em cima, no lugar do cérebro? Então, vou seguir quem estiver por cima da situação. Só crer no que ver, talvez no que tocar. Mas quem manda mesmo é esse emaranhado de miolos e nervos aqui. É nisso que confio.
_Ei, anda logo com meu pedido. Tô com sede.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Uma outra história.

Que bom seria se eu tivesse vários corpos à disposição para poder zanzar por aí cada dia por um canto diferente. Como se eles fossem fantasias enfeitiçadas.
Cada corpo teria amigos distintos, personalidade definida e atrativa, um grande sonho e uma maneira peculiar de  confessar os sentimentos.
Pra cada coração, vários amores de todas as espécies. 
Apesar de compartilharem da mesma mãe, esses meus corpos não seriam irmãos. Estariam sob o domínio da minha mente e, todas as noites, sonhariam os mesmos sonhos, porém, os sonhos serão extensos pra caber as imagens dos desejos de cada um. Pois seria nos sonhos que eu, a mente controladora, me sentiria completa. Daí minha ambição estaria satisfeita: não falta ser ninguém.
Poder ser todos. Poder ser! Em um corpo um vagabundo, no outro uma amante exímia conhecedora dos jogos do amor, o outro é um intelectual sem partido que contribui para a democracia, o outro é viajante, e tem também o velho que nunca morre. Esses são só exemplares da vasta coleção de pessoas que eu seria. Tudo pra não ser eu.
Pra não me sentir tão boba por não conseguir "ir à igreja e ao carnaval com a mesma devoção". Pra não estar sentindo tão decepcionada comigo mesma. Pra não sentir o fracasso de não ser sempre radiante, sempre bela e leve.
E, depois de experimentar as várias vidas que teria, talvez eu quisesse guardá-las todas em um baú ou em um sarcófago, pra mostrar respeito. É claro que não os enterraria... por desconhecer minhas futuras manias e planos de fuga (apenas por isso). 
Então quem sabe eu viria com alguma resposta. Uma bússola seria o ideal. Ou um cristal-guia embutido no peito. É que eu necessito descobrir como é que a gente faz pra ser querido, amado, indispensável até. Como cativar corações impossíveis, como ajudar um triste a ser feliz. Por esse último segredo eu cumpriria uma promessa, ou duas. Ficaria a critério do guardião dos segredos da existência humana.
Agora eu me sinto sem pernas nem dentes nem unhas. Imóvel e impossibilitada. Um parasita, sim. Dos corpos que eu escolho, na vida real, pra sugar um pouco de força, de piedade.
Por enquanto eu só quero deixar o nó na garganta ficar bem apertado. Perder a consciência. Desligar por um tempo. É. Eu quero desligar.



quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Todo mundo merece um dia perfeito.

Talvez esse texto seja melhor compreendido se a leitura for acompanhada dessa música (é só por causa da melodia mesmo, não precisa saber inglês):

Coldplay - Strawberry Swing .mp3
Found at bee mp3 search engine


[...]essa vontade de beber todo o ar do mundo pra manter o mundo vivo e nadando em meus líquidos, voando em meus pulmões.
Quero as flores.
Quero os esquilos, os lagos e as águas-vivas.
Quero os coloridos, os venenosos.
Quero ser a mãe de todos eles: dos índios, dos hindus, dos esquimós.
Quero suportar a todos com meus ossos e alimentá-los com meu sangue.
Eu os quero protegidos, aconchegados, saciados.
Então todos usufruiriam das belezas que reuní; eu mesma as escolhi.
Um pequeno Éden para abrigar as almas aflitas, famintas, desesperadas.
Todas as vítimas de guerra. As vítimas da fúria da natureza, da fúria dos vizinhos e colegas, da ruindade e indiferença da humanidade. Todos que se sentirem esquecidos e abandonados. Os invisíveis, venham!
Eu tenho abrigo para todos. Onde o sol não queima e o vento não congela esses corpos já sofridos.
E eu tenho música. Para embalar o sono dos pequeninos mutilados, explorados, chorosos. Para acompanhar os jovens em suas trilhas pelo novo lar. Para curar o silêncio de morte que consome os velhos.
São livres para movimentarem seus músculos no ritmo da música. Escorregarem as mãos umas sobre as outras até sentir um aperto firme. Uma imensa roda se formará. Um círculo humano, colorido, risonho. Farão suas preces, entoarão seus cânticos, pronunciarão seus mantras até o cansaço pra depois se atirarem à grama verde e bem regada.
Podem dormir e descansar, meus filhos! Não se esqueçam que a verdade mora aqui. Do outro lado, onde há tristeza e injustiça, é só um sonho ruim. Voltem quando preciso. Eu os receberei com um abraço e um refúgio.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Um filme pelos meus olhos.

PS: Sobre "Blindness" (ou "Ensaio sobre a cegueira"), filme de Fernando Meirelles (2008), adaptado do livro de mesmo nome escrito pelo Nobel José Saramago, em 1995:


Mais que a valentia da mulher do médico, a tirania reproduzida entre as paredes do "depósito humano" pelo rei da Ala 3 e sustentada pelo cego de nascença, a covardia de um grupo de homens ao propor que o sexo fosse moeda de troca por comida, e tantas outras cenas que monopolizam a atenção de grande parte dos expectadores, a leitura do velho negro em relação a tudo que se passava à sua volta foi o que mais me emocionou. Primeiro que a experiência e segurança das pessoas que vivem neste mundo há mais de meio século, me toca tremendamente. Quem pode ousar contestá-los quando em um debate sobre os fenômenos de ação e reação dos quais nem um ser vivo pode escapar?
(Segundo em diante seguem sem marcação).
Pois bem, esse velho havia feito do banheiro a sua moradia, mas ele tinha um rádio. Depois que deram-lhe um lugar no já lotado "dormitório", sempre sorridente, ele transmitiu as informações dos noticiários que ouviu e, quando terminou, percebeu que um silêncio de morte pairava ali. Todos haviam se aglomerado e pareciam esperar. Esperavam, talvez, que seus corpos mergulhassem no "mar de brancura": a única imagem que podiam contemplar através dos olhos súbita e inexplicavelmente cegos. Esperavam as mudanças seguintes à perca de um dos sentidos. Mudanças que exigiam dor e auto negação.
O velho, porém, parecia deliciar-se naquela atmosfera densa e selvagem que induzia todos a se prostrarem diante das próprias fragilidades e instintos. Sem noção do tempo, sentia-se infinito. Uma eternidade caminhando sobre o "mar de leite".
E, quando se caminha sobre o mar, a jornada é igualmente infinita.
Ele sabia que agora que não havia espaço para divisões segundo a classe social, a etnia, o credo ou a beleza. A igualdade de condições tão duras impostas indistintamente os nivelava e os resumia a animais lutando pela sobrevivência. Se não por esperança de um futuro melhor, lutavam simplesmente porque é isso que sempre fizeram os animais em toda a história de sua existência, logo, atendiam a um chamado visceral e primitivo.
Ele decidiu que fazia-se necessário gastar a pouca bateria do seu radinho de mão para embalar aqueles seres tão assustados. A música vira a protagonista do momento, o único remédio que o acaso lhes cedeu. A ala toda era música, os pés registravam o ritmo e, durante aqueles minutos, pareceu ser bom ter apenas as lembranças e fantasias como referência da realidade.
Alguns não se importavam em cobrir suas "vergonhas". Usar roupas seria mesmo a última tentativa de se convencerem civilizados quando não há comida, água potável nem sabonete suficientes.
Quanto ao velho, ele escolheu despir o coração. Seu olhar gentil conquistado pela idade agora traduzia-se na fala mansa à beira de uma fogueira declarando seus desejos à moça. Era o que desejava sua alma.
Até que um deles voltou a enxergar. O fim de um flagelo. Enfim, as poucos a vida de antes seria reconquistada e retornariam à normalidade morna e farta. O trabalho, o contato com os familiares e amigos, a retomada da perseguição aos sonhos... seria o paraíso. Donos de uma gratidão inimitável à liberdade, se destacariam em qualquer grupo com qual escolhessem conviver: são imunes às pequenas agruras do cotidiano e desequilíbrios emocionais que afetam os relacionamentos da nossa era. Superaram desafios infinitamente maiores, sentiram a humilhação no seu sentido mais cru.
Talvez usem dessa nova compreensão para tomar as dores dos tantos oprimidos (semelhante ao que eles foram) espalhados pelos continentes afora. Ou talvez não queiram mais reviver as angústias e a impotência diante de forças implacáveis genericamente nomeadas como 'Corporações financeiras', 'Estado Capitalista', 'Burguesia', 'Globalização', etc.
De qualquer maneira, a história continuará se repetindo em algum lugar do globo. Essa era a condição. E nós aceitamos.

Para os ex-cegos, cada estilhaço voltaria ao seu lugar para recompor o grande quebra-cabeça da "ordem" universal.
Não para o velho negro que voltou a ser refém de seu corpo antigo e perecível.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Despertar

Se eu não contasse eu não iria me sentir completa.
Guardar sensações como aquelas chega a ser egoísmo. Compartilhá-las é minha ambição.
O notável é que não foram emoções novas que me invadiram o corpo durante o sonho. Foram as de um passado não muito distante. Por isso fico feliz em concluir que tenho me entregado inconscientemente à mais essa forma de amar.
Perdoe-me o verbo (amar) mas é que ele tem tantas faces... umas mais verdadeiras que outras mas é amor. No entanto, se você acredita cegamente que amor é verdade sempre, pode ir. Ou então fique se eu te convencer com o argumento que o que eu aceito como verdade pode não ser para outro. No fim das contas, o amor é o que a gente procura.
Mas não é essa a questão.
Acordei serena e angustiada, confusa e bem resolvida. É que a mente cria 'emendas' para que o pouco que existe na vida real seja correspondente aos desejos do coração.
Coração enganoso? Eu gosto assim. Gosto de sentir raiva quando longe e logo depois perdoar quando perto. Perdôo traições não cometidas mas imaginadas; porém, as traições não podem existir pois ele tem asas e disse que eu as tenho também. Asas na mente, no corpo, nos sexos, na língua e no ser.
Além do mais, só existe lugar pra um na sua garupa. É assim que eu prefiro pensar. Eu sou matéria excedente em sua rotina e logo que chego, saio para dar espaço ao outro que estava ali.
Eu vim pra ficar no lugar de alguém quando este se distrai. Não cabem promessas nem laços de alma. É temporário e indefinido. Não sei quando vai aparecer uma fenda para eu invadir por ali.. assim sem aviso, sem oferecer chances de defesa. Só vou embora quando sinto que devo; não adianta me dar essa ordem. Eu vou saber quando você não precisar da infecção que eu provoco. Eu vou saber quantos anticorpos seus eu vou matar.
Eu também curo. Selo pequenos arranhões com minha saliva, faço enxertos com minha própria pele. Sou remédio, sou droga, sou alívio.
Peço que fique ao alcance dos meus olhos sempre que possível e se deixe sem medo em minhas mãos... Eu saberei o que fazer.