quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

As irmãs.

Há algum tempo não sou a mais velha das três.

A mais nova tem 10 e a do "meio", 21. Eu tenho vinte e dois anos, e o que dizer deles pra completar essa frase, eu não sei.

A do meio me dá conselho e bronca. Às vezes, grita e quase saímos no tapa. Ela parece uma mãe nessas horas porque tem o defeito de todas as mães do mundo: pensa que já viu de tudo, e não tem conversa. É assim que é.

A mais nova me coloca pra dormir. Faz carinho nas minhas costas, me beija o rosto e, se eu pedir, inventa historinha na hora só pra me nanar. Me dá bronca, fala da minha roupa e dos meus peitos, como eles são flácidos. Fala que meu cabelo é bonito assim curtinho, que ela não liga que um dia eu cortei o dela escondido, embora minha mãe tenha ficado uma fera com isso. Diz que também quer ser médica, mas ela muda a cabeça sobre isso toda hora. Seu único defeito é querer ser perfeita. Tem medo de desapontar.

A do meio me leva pra jantar fora, me dá dinheiro, manda eu me amar mais. Me empresta a roupa e o sapato caro. Só pro sapato ela faz bico, mas deixa eu pegar mesmo assim. Passa longas horas me recontando nossa história familiar. Destrincha meus traumas da adolescência, analisa o reflexo deles nas minhas relações, na minha visão de mim. Ela me conhece do avesso, mas tem hora que isso me irrita porque eu não posso mudar. Se eu chegar diferente, ela vai dizer quem eu sou (era), e lá se foi minha transformação. Quando visto suas roupas, tão mais descoladas que o meu azul e branco básico, quase que me sinto em uma fantasia. As pessoas geralmente se sentem felizes quando fantasiadas. Eu sinto.

A mais nova me leva pra tomar sorvete, mas eu pago. Fica toda dengosa quando tem um filme novo só pra ela na pasta de downloads do computador. Emburra quando o filme dela acaba e eu ainda estou na metade do filme de 3 horas do Lars Von Trier. Diz que tá emburrada porque estou ocupando a TV, mas eu desconfio que é porque não estou lhe dando atenção. Veja bem, só convivo com ela duas vezes por ano. que injustiça trocar a irmãzinha por um filme de três horas!

Agora a pequena dorme, a do meio está no banho com o namorado. E eu estou aqui, esperando os dedos correrem pelo teclado e dar um fim nesse texto.

Pra bom entendedor, o enunciado basta: Há algum tempo não sou a mais velha das três.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Preciso mudar. Ainda não sou eu.

Viver sob as rédeas de alguma religião bibliocêntrica, e depois de um tempo (longo, doloroso e em andamento), me libertar, me trouxe certa lucidez para entender o que há de importante na vida.
Numa dessas descobri que não quero ser criacionista, animista, gnóstica, agnóstica ou atéia; nem racionalista, humanista. Que posso até topar inventar um deus só pra mim; posso olhar pro céu e chamá-lo de deus... e dar-me por satisfeita porque isso não é afronta para ninguém, muito menos para o tal deus único e verdadeiro.
Enfim, o que eu vim registrar é: há pouco mais de um ano, eu vivia em função do deus bíblico (é, aquele mesmo que é misógino,  assassino, machista, ciumento, maníaco por controle, vingativo, eugenista, homofóbico, infanticida, genocida, filicida, pestilento, megalomaníaco, e malévolo _ fonte: bíblia). Assim, tudo o que tivesse a ver com a minha felicidade, eu obrigatoriamente atribuía à Deus, um favor seu para uma pecadora tão miserável. Mesmo assim, não cansava de me inferiorizar e de sentir não merecedora da vida que tinha. [Entendam, eu ouço esse discurso desde que tinha um mês de vida, quando fui "apresentada à deus" na frente de uma igreja pelo pastor e meus pais.]
E hoje, enquanto lia um texto de Alice Walker contando sobre seu crescimento espiritual, identificação com o infinito e progresso no mundo, hoje eu me peguei pensando que eu havia perdido a percepção de meu próprio ser. Ser: esta junção de carne e imaterialidades que dá a cada um o potencial de ser um micro-universo único e fantástico. Eu estava tentando ser o que a bíblia diz que eu deveria; como se ela guardasse a receita universal para a felicidade e sucesso, com um paraíso para os fortes no final - aqueles cuja força está em deus.
E agora eu me pergunto: é sério que não há nada de bom em nenhum de nós? Que tudo de bom vem de deus, criador dos céus e da terra?
Eu não consigo mais acreditar nisso. Sofro de uma incapacidade para continuar acreditando e defendendo. Depois de conhecer tantas pessoas lindas na sua impureza e imperfeição, seria tolo me forçar de volta para dentro daquilo que me garantia o conforto de uma família espiritual, contanto que eu compartilhasse das mesmas aspirações e princípios.
E não quero mais isso pra mim. Quero descobrir por mim mesma. Sentir por mim mesma e não a partir das histórias distorcidas que me deixavam ouvir. Não me interessa se é uma ou várias vidas, ou se  vida é algo maior do que o espaço entre o parto e o caixão. O fato é que, eu respiro e estou consciente. Penso, produzo, ouço - filtro - repasso, volto atrás e desminto pra começar tudo de novo.
Eu sou o eterno recomeçar. Reconstruir. Resistir.
Resiliente, embora já tenha desejado a minha própria extinção.
Eu quero correr por essa floresta misteriosa e cheia de armadilhas que é o mundo; mas que guarda paisagens encantadoras e uma tranquilidade suprema. Sem medo de me ferir. Peito aberto para o que vier. Coragem animalesca; prudência mesclada com a sede de novas experiências e lições.
Atribuir meus próprios significados ao céu nublado, pesadelos, trivialidades. Não como forma de me consolar, mas sim para me sentir no controle e capaz de mudar o rumo quando bem entender.
Não existe situação sem escapatória.
Sou jovem, eu sei. É a fase de "achar que nada de mal lhe acontece - é dono do mundo". Eu posso escolher não fugir à regra, ou criar uma nova. E se eu, no meio dos meus choros e desesperanças já vivi a minha fase de velhice e agora, a juventude chegou pra mim? Eu posso inverter e depois querer viver tudo de novo.
Não quero o peso de ter que viver como se o destino da minha alma dependesse das frase "jesus é meu salvador e senhor" - céu ou inferno; fogo ou rios de águas vivas (ai!).
Quero olhar para Jesus e admirá-lo, e só. Quem sabe, seguir um conselho ou outro, ler algum sermão inspirador. E proceder da mesma forma com Osho, Buda, Luther King, Saramago, Gandhi, e por que não, Alice Walker, que me fez chegar às conclusões do dia de hoje.
Minha fé, se é que algum dia eu tive alguma, se foi. Ainda bem. Porque eu não quero ter confiança absoluta em nada nem nenhuma opinião firme de que algo é verdade. Meu texto inteiro pode ser uma ilusão que só serve pra mim; um completo engodo. Mas ME serve. E eu aceito essa única justificativa porque EU sou importante e não há pecado nenhum em pensar assim. Pecado não existe pelo simples fato de que não existem leis divinas para serem quebradas nem uma divindade para aborrecer e provocar a ira.
Pessoas são importantes e de valor inestimável e inerente. É só disso que precisamos saber.